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                                             1ª Edição/Junho 2016

 

O SUPERENDIVIDAMENTO E A EDUCAÇÃO FINANCEIRA

 

Ana Paula Bonilha de Toledo Costa

Gustavo Ferreira

A economia do Brasil desenvolveu-se de forma considerável nos séculos XX e XXI. Neste contexto, diferentes oportunidades surgiram para a população brasileira, não só relacionadas à oferta de novos bens e serviços, mas principalmente à possibilidade de acesso a tais bens e serviços colocados à disposição no novo mercado de consumo.

Para que a população pudesse consumir mais e para que as pessoas de baixa e média renda também pudessem ser inseridas nesse novo mercado de consumo, houve o surgimento de linhas de crédito dos mais variados gêneros.

Esse conjunto de fatores, sem dúvida alguma, fez surgir uma cultura brasileira mais voltada ao consumo, incentivada também por criativas e agressivas campanhas de publicidade.

Ocorre que a grande facilidade de obtenção de crédito, a cultura do pagamento a prazo e a falta de conhecimento de microempreendedores e pessoas de baixa renda contribuem para o consumo inapropriado de bens. Isso, aliado à grave crise econômica do país, aos altos índices de desemprego e à vulnerabilidade do consumidor, faz com que estes se endividem mais e, quando endividados, tenham sérias dificuldades de voltar a ter alguma estabilidade financeira.

O consumo inapropriado de bens e de serviços e a falta de planejamento orçamentário individual são, portanto, as principais causas do superendividamento da população, o que acaba retirando o consumidor do mercado de consumo e prejudicando toda a economia do país.

Segundo estudo realizado pela Serasa Experian, em março/16, o número de brasileiros inadimplentes chegou a 60 milhões (41% da população com mais de 18 anos) e o valor das dívidas alcançou a monta de R$ 256 bilhões. Conforme gráfico abaixo, essa foi a maior marca já registrada pela Serasa Experian no país. Veja-se.                                                                                                                                                                                      

                             

                                                                                                                   Fonte: Serasa Experian

 

Neste cenário, a educação financeira pode ser uma forma muito eficiente de reduzir a inadimplência, tornando-se especialmente importante em tempos de crises econômicas como a que o nosso país está vivendo hoje.

Segundo a OCDE (2005), educação financeira é “o processo mediante o qual os indivíduos e as sociedades melhoram a sua compreensão em relação aos conceitos e produtos financeiros, de maneira que, com informação, formação e orientação, possam desenvolver os valores e as competências necessários para se tornarem mais conscientes das oportunidades e riscos neles envolvidos e, então, poderem fazer escolhas bem informadas, saber onde procurar ajuda e adotar outras ações que melhorem o seu bem-estar. Assim, podem contribuir de modo mais consistente para a formação de indivíduos e sociedades responsáveis, comprometidos com o futuro".

Faz anos que o superendividamento e a educação financeira da população são temas em foco. No passado, inclusive, o próprio Comitê dos Reguladores de Mercado, criado em 2006, com a finalidade de promover a coordenação e o aprimoramento da atuação das entidades da administração pública federal que regulam e fiscalizam as atividades relacionadas à captação da poupança popular, do qual fazem parte Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), Secretaria de Previdência Complementar (SPC) e Banco Central (BC), realizou pesquisas e estudos para fazer propostas voltadas à criação de uma Estratégia Nacional de Educação Financeira.

Resultado disso, em 2010, buscando a formação de uma sociedade mais consciente e madura no que tange à educação financeira e seus benefícios, o Brasil criou uma Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF). Aliás, o Brasil é um dos poucos países que possui uma ENEF.

O objetivo da ENEF, instituída pelo Decreto nº 7.397, “é promover a educação financeira e previdenciária e contribuir para o fortalecimento da cidadania, a eficiência e solidez do sistema financeiro nacional e a tomada de decisões conscientes por parte dos consumidores” (artigo 1º). Essas ações são gratuitas e não têm interesse comercial.

No âmbito Estratégia Nacional de Educação Financeira, diversas são as propostas e iniciativas do governo e do mercado para conscientizar a população. As principais, constantes em diversas cartilhas e, por exemplo, no site http://www.vidaedinheiro.gov.br/ferramentas-uteis.html do Governo serão comentadas abaixo.

A primeira delas é o planejamento, através do qual o indivíduo pode organizar a sua vida financeira, avaliando as suas necessidades, os riscos a que está exposto e as formas de saldar eventuais dívidas, impedindo o seu crescimento, mas sem comprometer todo o orçamento familiar.

O consumo informado e consciente, por sua vez, também tem um papel importante no combate ao superendividamento, pois, como já dito, o consumo inapropriado é uma das suas principais causas.

Por consumo consciente, entende-se a evolução do ato básico inconsciente de consumo que sempre acompanhou o ser humano para algo além da simples absorção total de uma riqueza ou mercadoria, transmutando-o em uma prática de cidadania motivada, ou seja, um ato que quando efetuado leva em conta seus reflexos na sociedade, economia e meio ambiente.¹

Neste aspecto, devem ser avaliadas a real necessidade na aquisição do produto e/ou do serviço, bem como de financiamento de valores para compra de bens e serviços, especialmente se o financiamento envolver o pagamento de juros.

Percebe-se que o consumo consciente tem, certamente, laços estreitos com a educação financeira. Ambos buscam modificar a maneira com a qual os consumidores efetivamente consomem os produtos e serviços de um mercado que oferta uma infinidade de oportunidades e riscos, o primeiro ansiando pela construção de uma consciência cidadã que transforme o consumo em poderosa ferramenta de desenvolvimento sustentável e permanente com avaliação dos impactos do seu consumo na sociedade, economia e meio ambiente, e a segunda tratando da premissa essencial para que o consumo possa existir de maneira saudável: como gastar de forma consciente.

Do ponto de vista legal, com vistas a reduzir a vulnerabilidade do consumidor e o consumo inapropriado e desinformado de bens, o Código de Defesa do Consumidor estabelece regras que tem o objetivo de prevenir o superenvidamento. Como exemplos, podemos citar as disposições que preveem: (i) a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas, (ii) que os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance, (iii) a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços, (iv) a possibilidade de reconhecer como nulas as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, e (v) que, no fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre: preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional, montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros, acréscimos legalmente previstos, número e periodicidade das prestações, soma total a pagar, com e sem financiamento.

O projeto de reforma do Código de Defesa do Consumidor que tramita na Câmara dos Deputados traz ainda mais regras para aperfeiçoar o sistema de prevenção ao superendividamento e também algumas disposições relacionadas à educação financeira.

Salientamos, nesse peculiar, a inserção do fomento de ações visando à educação financeira e ambiental do consumidor e a prevenção e tratamento do superendividamento como forma de evitar a exclusão social do consumidor como objetivos da Política Nacional das Relações de Consumo.

Também podemos citar, como formas de executar a política acima mencionada, a inserção de dispositivos que autorizam o poder público a contar, por exemplo, com a instituição de mecanismos de prevenção e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento e de proteção do consumidor pessoa natural, e a instituição de núcleos de conciliação e mediação de conflitos oriundos de superendividamento.

Como direitos básicos do consumidor, foram inseridos no projeto incisos que preveem, por exemplo, a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira e de prevenção e tratamento de situações de superendividamento, e a preservação do mínimo existencial, nos termos da regulamentação, na repactuação de dívidas e na concessão de crédito.

Em relação às propagandas publicitárias, o projeto traz a proibição de se veicular propaganda com termos como “sem juros”, “gratuito”, “sem acréscimo” e “taxa zero”, e que ocultem e dificultem a compreensão sobre os ônus e os riscos da contratação do crédito ou da venda a prazo. Também traz a necessidade destas propagandas serem informativas e esclarecedoras ao consumidor.

Importante mencionar, ainda, que a própria limitação hoje existente para o crédito consignado é uma medida do Governo para livrar as famílias brasileiras do superendividamento ou impedir que elas se coloquem nessa situação. Esse limite, recentemente alterado, é de 35%, ou seja, o trabalhador brasileiro só pode comprometer até 35% do seu salário com o pagamento de dívidas oriundas de crédito consignado, sendo que 5% refere-se a dívidas de cartões de crédito. O pleito, na época da alteração, era o aumento de 30% para 40%, mas, para evitar comprometimento maior da renda, o aumento foi limitado pelo Governo a 35%.

O conhecimento de direitos e deveres e dos órgãos de proteção ao consumidor também são ferramentas utilizadas nessa jornada de combate ao superendividamento, pois permitem que o indivíduo conheça os seus direitos e deveres na hora da compra e saibam quem devem procurar, caso tenha algum problema ou casos seus direitos não sejam respeitados.

A obtenção de crédito também deve ser avaliada com cuidado pelo consumidor, pois, na maioria das vezes, ao invés de beneficiá-lo, pode contribuir para o aumento de seus débitos, especialmente pela falta de planejamento individual e pelos juros altos cobrados pelas instituições financeiras.

Obviamente, o consumo inapropriado de bens e de serviços e a má-administração financeira, embora as principais, não são, isoladamente, as únicas causas do aumento da inadimplência no país. Dentre outras, podemos destacar: o cenário econômico atual, o desemprego, a morte ou a doença do provedor da família, o divórcio e a perda de bens.

Quando decorrente de morte, doença, desemprego, perda de bens e aposentadoria, o mercado de seguros e previdência complementar exerce importante papel contra o superendividamento.

Para essas situações, a contratação de seguros pode reestabelecer o status quo ante a um sinistro. E como contrapartida por esta proteção o consumidor desembolsa pequenas quantias, geralmente, mensais.

Formas de poupar dinheiro, inclusive a previdência complementar, também são meios eficientes de evitar o superendividamento e de planejar o futuro. Com a previdência, o indivíduo acumula dinheiro para a aposentadoria. Com o dinheiro em cadernetas de poupança ou fundos de investimento, o consumidor, além de se preparar para demandas urgentes e inesperadas da vida, também pode utilizar esses recursos para a compra de algum bem de valor maior, sem a necessidade de contratar um empréstimo ou financiamento. Essas formas de poupança ainda têm a vantagem de que o dinheiro é mensalmente rentabilizado.

Com o objetivo de promover a educação financeira da população, existem diversos projetos e iniciativas. Dentre eles, podemos destacar os projetos “Sonhos reais” e “Bem gasto”. Ambos buscam o desenvolvimento de uma cultura de educação financeira, promovendo aulas, cursos e outros tipos de incentivos a parcelas relevantes da sociedade, como pessoas de baixa renda e microempreendedores.

Uma das frentes do projeto “Sonhos reais” é o projeto “Saúde Financeira para Microempreendedores”. Já o programa “Bem Gasto” é um projeto que ajuda as pessoas a administrarem sua renda familiar. O objetivo, como diz o próprio nome do projeto, é que as pessoas gastem bem o seu dinheiro, evitando, assim, o seu endividamento.

Como se vê, diversos são os fatores que contribuem para o superendividamento da população brasileira, sendo que o consumo inapropriado de bens e de serviços e a falta de planejamento financeiro são os carros chefes. A educação financeira da população pode ser uma ferramenta muito eficiente no combate ao superendividamento da população brasileira e, por este motivo, deve ser difundida por todos, em todos os seus aspectos, inclusive pelo mercado de seguros, que tem importante papel neste cenário.



¹ SILVA, C.L., SOUZA-LIMA, J.E Políticas Públicas e indicadores para o Desenvolvimento Sustentável. Editora Saraiva 2010.

 

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